Doenças de origem ambiental cosmopolita são difíceis de serem tratadas e o estado clínico dos doentes se agrava em razão da demora na identificação do agente causador. A morosidade em dar resposta para o tratamento pode resultar em danos severos ou irreversíveis a pessoa afetada pelo agente patogênico. O paciente que chega a uma unidade de saúde poderá ter a sua situação agravada ainda mais, caso não hajam condições adequadas de atendimento e disponibilidade de recursos humanos e materiais que permitam determinar a tempo, a natureza da enfermidade. Identificar as causas de uma doença restrita a um indivíduo, ao contrário dos surtos epidêmicos que acometam um grande número de pessoas, é sempre mais difícil de ser diagnosticado, quanto mais em se tratando de doenças de natureza ambiental adquirida em ambiente doméstico.
Historicamente os ratos sempre foram os funestos vetores responsáveis pela disseminação de epidemias de peste, e transmissão de leptospirose, tifo, hantavirose, e outras tantas doenças graves que afetaram e ainda estão presentes nesses animais que compartilham o nosso ambiente urbano. O homem demorou séculos para aprender a controlar a população desses roedores, por outro lado, com o aumento da população, a ocupação descontrolada do meio urbano e a falta de saneamento básico, provocaram o surgimento de novas enfermidades, como as transmitidas pelos mosquitos, como a malária e a dengue.
Embora tenhamos evoluído nas questões sanitárias e de contarmos hoje com amplo acesso a informação, alguns cidadãos insistem em ignorar o fato de que deixar lixo orgânico exporto ou mesmo de alimentar animais silvestres no meio urbano, estará contribuindo para o desequilíbrio ecológico e potencializando o risco de atração de doenças para os habitantes das cidades.
As cidades têm crescido verticalmente e com as atitudes “generosas” de alguns dos seus cidadãos estão transformando-as em um ambiente propício ao crescimento descontrolado de uma ave com potencial de transmissão de doenças tão graves quanto os ratos. Trata-se dos pombos, que apesar de retratados como aves dóceis e inofensivas, quando se proliferam descontroladamente no ambiente urbano, podem provocar sérios problemas para a população. E nas grandes cidades o crescimento da quantidade dessas aves tem sido preocupante, pois para qualquer direção que se olhe podemos encontrar ao alcance do nosso campo de visão um bando dessas aves, sejam nos cabos telefônicos, no alto de edificações ou mesmo procurando alimento nas ruas e calçadas.
Os pombos domésticos permanecem próximos de habitações humanas, podendo causar sérios transtornos, pois danificam vários tipos de estruturas com suas fezes que são ácidas. Em estudos realizados em alguns estados brasileiros, verificou-se que em locais que servem de abrigo a esses pássaros, como torres de igreja, altos edifícios, telhados de casas e escolas, há um alto índice de fungos, encontrados principalmente nas fezes, que permanecem viáveis à infecção por um período de até dois anos, ocasionando diversas doenças. Causam também problemas com relação a ectoparasitas como piolhos, ácaros e pulgas.
Além do crescimento e verticalização das moradias, aliada à farta oferta de alimentos e abrigo, os pombos encontraram nas cidades condições ideais para se proliferarem.
Diferentes posicionamentos se têm a respeito dos pombos urbanos. Desde a antiguidade essas aves eram utilizadas por governantes como transmissores de mensagens, chegando até mesmo no Império Persa a dar origem a um ramo da Administração Pública. Na Primeira Guerra Mundial foram utilizados mais de 30.000 pombos-correios nas frentes de combate. Essa estreita relação dos pombos com os seres humanos perdura até hoje havendo uma incorporação dessas aves à paisagem de praças e parques de várias cidades, sendo comum as pessoas admirarem e alimentá-las sem qualquer percepção dos riscos à saúde que podem causar.
Paralelo ao posicionamento da maioria da população, em que o pombo somente é visto como um animal belo e inofensivo, símbolo de pureza e paz, tem-se a posição de médicos infectologistas que alertam sobre os riscos do contato direto com essas aves, seja em praças, parques ou vias públicas.
DOENÇAS PROVOCADAS PELOS POMBOS
1 – Criptococose – O Cryptococcus neoformans, é um fungo leveduriforme, capsulado encontrado geralmente em solos contaminados com fezes de pombo. É um dos agentes etiológicos da criptococose, que é uma micose grave que ocorre preferencialmente em indivíduos imunocomprometidos. A infecção ao homem se dá pelo contato com pombos ou através da inalação de propágulos do ambiente na forma de leveduras. Os sintomas geralmente são febre, dor torácica, hemoptise, massa granulomatosa (nódulos únicos ou múltiplos no Rx), pápulas e abcessos na pele, com posterior ulceração, dor de cabeça, rigidez na nuca, distúrbios visuais, meningite cripotocócica (quase sempre fatal se não tratada adequadamente).
Os pombos não precisam ser exterminados porque possuem predadores na natureza capazes de controlar a sua população, como os gaviões, carcarás, guaxinins e corujas. O Poder Público deve procurar de forma sistemática, promover campanhas que visem esclarecer à população sobre o risco de alimentar ou facilitar o acesso dos pombos a restos de comida, medida que por certo irá provocar naturalmente a redução até um nível adequado da população dessas aves. Outras medidas devem ser incentivadas, como por exemplo, a instalação de telas para criar dificuldades de acessibilidade aos abrigos (evitar a construção de ninhos), impedir o acesso à água e alimentos. Manter lajes e beirais limpos e utilização de elementos reflexivos ajudam a repelir essas aves.
2 – Histoplasmose – A histoplasmose é uma infecção causada por um fungo dimórfico, o Histoplasma capsulatum. Este fungo apresenta forma filamentosa em temperatura inferior a 30º C, composta de hifas hialinas, microconídios e macroconídios. Tem sido encontrado em fezes de aves e morcegos e crescem bem em solos com alto teor de nitrogênio.
A infecção pelo fungo Histoplasma capsulatum acontece principalmente através da inalação de propágulos suspensos no ar, afetando a via pulmonar, podendo causar infecções assintomáticas ou não. Todas as manifestações clínicas são semelhantes à tuberculose, por isso é necessário um exame mais detalhado, principalmente laboratorial. Em um hospedeiro saudável, geralmente a infecção é assintomática, mas esse fungo surge como um patógeno oportunista em pacientes transplantados, leucêmicos, usuários de antibióticos e principalmente em pacientes com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS).
3 – Ornitose – A ornitose é causada pela bactéria intracelular obrigatória gram-negativa Chlamydia psittacie caracteriza-se por doença de início com sintomas brandos e inespecíficos como febre, cefaleia, mialgia (dores musculares), calafrios e tosse, igualmente a infecções das vias aéreas superiores, sendo difícil diferenciar de uma pneumonia causada por outros agentes patogênicos. O diagnóstico precoce é muito importante, pois a doença pode evoluir e levar o paciente à morte. Essa doença foi primeiramente relatada em 1893 por Morange que descreveu um agente infeccioso transmitido por papagaios. Hoje se sabe que os seres humanos são infectados através da inalação do microrganismo Chlamydia psittaci, quando em contato com pássaros infectados.
Em vários casos de contaminação por essa bactéria, descritos pela medicina, um deles ocorreu em Medina-MG. Um estudante de 16 anos esteve internado com quadro de tosse seca, febre alta, mal-estar, mialgia, dor abdominal difusa, entre outros sintomas. O quadro clínico do paciente teve uma progressiva piora tendo que ser submetido à intubação no Centro de Terapia Intensiva (CTI). Foi relatado através de seus familiares que o referido jovem fazia criação de pombos. Diante do exposto, foi colhida secreção traqueal e constatado a presença de Chlamydia psittaci. Após o devido tratamento com medicação apropriada e internação de 23 dias, o paciente apresentava-se em bom estado de saúde. Portanto, constata-se que essa bactéria é transmitida aos seres humanos principalmente através do contato com pássaros entre eles os pombos domésticos. A Chlamydia psittaci é excretada em grande número nas fezes, urina, secreções, saliva e penas das aves.
4 – Salmonelose – Salmonelas são bacilos gram-negativos que podem residir no trato intestinal de diversos mamíferos, aves e répteis. Em aves adultas a salmonelose é assintomática, mas secretam continuamente a Salmonellapelas fezes. O primeiro relato de salmonelose em aves foi no século passado em um surto de enterite em pombos.
Estudos atuais têm indicado, que a maior fonte de infecção de Salmonella para o homem são as aves domésticas, como os pombos. Essa bactéria causadora da salmonelose normalmente coloniza o sistema gastrointestinal de certos animais, por isso, a principal forma de infecção se dá através das fezes, ou seja, pela extrema falta de higiene no ato da manipulação de alimentos.
PROTEÇÃO
Os pombos por estarem amplamente adaptados ao ambiente urbano são considerados animais pertencentes à fauna silvestre brasileira e como tal são protegidos por lei federal de proteção à fauna. De acordo com o IBAMA, são espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro.
Segundo a Instrução Normativa IBAMA Nº 109, de 03/08/2006, as medidas de manejo só poderão ser realizadas por pessoas devidamente autorizadas e quando as possibilidades de controle já tiverem sido esgotadas, como eliminação do acesso aos abrigos e fontes de alimentação. Caso contrário, qualquer atitude que configure danos físicos ao animal, sofrimento ou apreensão pode ser considerada crime passível das penas previstas em lei.
A Lei 9.605 de 12/02/98 do IBAMA em seu Artigo 29 dita que matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, é crime, cuja pena varia de detenção de seis meses a um ano, e multa.
Existem vídeos na plataforma do You Tube com dicas que podem ser úteis para evitar a permanência ou proximidade dos pombos. Cuidado especial deve ser dedicado às instalações de aparelhos ar condicionado, pois a captação de partículas em suspensão produzidas a partir de fezes secas dos pombos, podem ser introduzidas para o interior dos imóveis e serem inaladas por algum morador podendo causar doenças graves ou até mesmo a morte. Importante também de lembrar de umedecer as fezes antes de varrê-las e sempre utilizando mascara e luvas durante a limpeza de locais com dejetos dessas aves.
Os pombos são aves que compõem a fauna brasileira, protegidas por Lei e abatê-las constitui crime. O cidadão deve ser esclarecido de que não deve alimentar pombos e as prefeituras precisam promover campanhas preventivas junto à população, visando alertar e prevenir sobre os riscos que representam a proximidade ou a convivência com esses “novos ratos” urbanos.
Fonte: Núcleo do Conhecimento e ’93 Notícias’