Fique atento, pois além de deixar sujeira e destruição, as enchentes de verão trazem outro perigo para a população.
Além de deixar sujeira e destruição, as enchentes de verão trazem outro perigo para a população. Estamos falando da leptospirose, uma doença transmitida pela urina de animais infectados, principalmente roedores. Não sem motivo, tem quem a chame de ‘doença do rato’.
A responsável por essa chateação é a bactéria Leptospira, que usa certos animais como hospedeiros. E, ela é transmitida para os seres humanos pela exposição direta ou indireta à urina desses animais. O micro-organismo basicamente invade o nosso corpo através de pequenas feridas na pele, das mucosas ou de membros que ficam imersos em água contaminada.
O infectologista Ivan França, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, conta que os atingidos em geral são profissionais que trabalham em fossas, encanamentos e esgotos. Porém, quando acontecem alagamentos, há um pico do número de casos.
No Brasil, são registrados, em média, 3,7 mil episódios por ano.
Sintomas da leptospirose
Ivan França explica que a enfermidade pode se apresentar de maneira leve ou grave.
“O principal sintoma nos quadros brandos são olhos e pele amarelados. A urina também sai escura e em menor quantidade; surgem febre e dor muscular, especialmente nas panturrilhas e nas pernas, e também há falta de apetite e náuseas/vômitos. Podem ocorrer também diarreia, dor nas articulações, vermelhidão ou hemorragia conjuntival, fotofobia, dor ocular, tosse; mais raramente podem se manifestar exantema, aumento do fígado e/ou baço, aumento de linfonodos e sufusão conjuntival.”, relata o especialista.
Em aproximadamente 15% dos pacientes com leptospirose, ocorre a evolução para manifestações clínicas graves, que normalmente iniciam-se após a primeira semana de doença. Nas formas graves, a manifestação clássica da leptospirose é a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia (tonalidade alaranjada muito intensa da pele – icterícia rubínica), insuficiência renal e hemorragia, mais comumente pulmonar. Pode haver necessidade de internação hospitalar.
De acordo com França, o período de incubação varia. “Os sinais demoram de uma a três semanas para aparecerem. Se houver um contato prolongado com a água contaminada, eles tendem a se manifestar mais rapidamente”, complementa o infectologista. Pessoas com muitas feridas também costumam exibir essas consequências precocemente.
Diagnóstico da leptospirose
Para detectar a leptospirose, é necessário primeiramente a análise dos sintomas. Mas a confirmação vem por meio de exames laboratoriais, sendo que o método laboratorial escolhido depende da fase evolutiva em que se encontra o paciente:
– Na fase precoce ou branda utiliza-se: Exame direto, Cultura e Detecção do DNA pela reação em cadeia da polimerase (PCR).
– Na fase tardia ou grave: Cultura, ELISA-IgM e Microaglutinação (MAT).
Esses exames devem ser realizados pelos LACENs, pertencentes à Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Pública.
O Ministério da Saúde lançou, há duas semanas, um projeto para teste rápido de leptospirose que apresenta resultado em até 20 minutos. O kit de diagnóstico será usado em ambiente hospitalar, para auxiliar no tratamento específico da doença.
O projeto tem como objetivo verificar a efetividade do TR DPP® Leptospirose para auxílio na conduta diagnóstica e manejo clínico da doença pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os resultados do teste serão comparados com os demais métodos já existentes na rede.
Considerando-se que a leptospirose tem um amplo espectro clínico, os principais diagnósticos diferenciais são:
– Fase precoce ou branda: dengue, influenza (síndrome gripal), malária, riquetsioses, doença de Chagas aguda, toxoplasmose, febre tifóide, entre outras doenças.
– Fase tardia ou grave: hepatites virais agudas, hantavirose, febre amarela, malária grave, dengue hemorrágica, febre tifóide, endocardite, riquetsioses, doença de Chagas aguda, pneumonias, pielonefrite aguda, apendicite aguda, sepse, meningites, colangite, colecistite aguda, coledocolitíase, esteatose aguda da gravidez, síndrome hepatorrenal, síndrome hemolíticourêmica, outras vasculites, incluindo lúpus eritematoso sistêmico, dentre outras.
Tratamento da leptospirose
Para os casos leves, o atendimento é ambulatorial, mas, nos casos graves, a hospitalização deve ser imediata, para receber suporte clínico, realizar hemodiálise e, muitas vezes, fazer ventilação mecânica, visando evitar complicações e diminuir a letalidade. A automedicação é contraindicada. Ao suspeitar da doença, a recomendação é procurar um serviço de saúde e relatar o contato com exposição de risco.
A antibioticoterapia está indicada em qualquer período da doença, mas sua eficácia costuma ser maior na 1ª semana do início dos sintomas. Nos casos leves, são utilizados Doxiciclina ou Amoxicilina; e nos casos graves, Penicilina cristalina, Penicilina G cristalina, Ampicilina, Ceftriaxona ou Cefotaxima.
É extremamente importante procurar auxílio profissional o quanto antes em caso de suspeita da doença, que tem letalidade relativamente alta. Pode levar à óbito se não for tratada. Os números mostram isso: o risco de morte nos quadros graves é de 40%.
Situação epidemiológica da leptospirose
No Brasil, a leptospirose é uma doença endêmica, tornando-se epidêmica em períodos chuvosos, principalmente nas capitais e áreas metropolitanas, devido às enchentes associadas à aglomeração populacional de baixa renda, às condições inadequadas de saneamento e à alta infestação de roedores infectados.
Algumas profissões facilitam o contato com as leptospiras, como trabalhadores em limpeza e desentupimento de esgotos, garis, catadores de lixo, agricultores, veterinários, tratadores de animais, pescadores, militares e bombeiros, dentre outros. Contudo, a maior parte dos casos ainda ocorre entre pessoas que habitam ou trabalham em locais com infraestrutura sanitária inadequada e expostas à urina de roedores.
Existem registros de leptospirose em todas as unidades da federação, com um maior número de casos nas regiões sul e sudeste. A doença apresenta uma letalidade média de 9%. Entre os casos confirmados, o sexo masculino com faixa etária entre 20 e 49 anos estão entre os mais atingidos, embora não exista uma predisposição de gênero ou de idade para contrair a infecção. Quanto às características do local provável de infecção (LPI), a maioria ocorre em área urbana, e em ambientes domiciliares.
Como prevenir a leptospirose
A prevenção da leptospirose ocorre por meio de medidas como:
– Obras de saneamento básico (drenagem de águas paradas suspeitas de contaminação, rede de coleta e abastecimento de água, construção e manutenção de galerias de esgoto e águas pluviais, coleta e tratamento de lixo e esgotos, desassoreamento, limpeza e canalização de córregos), melhorias nas habitações humanas e o controle de roedores.
– Evitar o contato com água ou lama de enchentes e impedir que crianças nadem ou brinquem nessas águas. Pessoas que trabalham na limpeza de lama, entulhos e desentupimento de esgoto devem usar botas e luvas de borracha (ou sacos plásticos duplos amarrados nas mãos e nos pés).
– A água sanitária (hipoclorito de sódio a 2,5%) mata as leptospiras e deve ser utilizada para desinfetar reservatórios de água: um litro de água sanitária para cada 1.000 litros de água do reservatório. Para limpeza e desinfecção de locais e objetos que entraram em contato com água ou lama contaminada, a orientação é diluir 2 xícaras de chá (400ml) de água sanitária para um balde de 20 litros de água, deixando agir por 15 minutos.
– Controle de roedores: acondicionamento e destino adequado do lixo, armazenamento apropriado de alimentos, desinfecção e vedação de caixas d´água, vedação de frestas e aberturas em portas e paredes, etc. O uso de raticidas (desratização) deve ser feito por técnicos devidamente capacitados.
Ações de prevenção em situações emergenciais
I – Vacinação
Não existe uma vacina para uso humano contra a leptospirose no Brasil.
A vacinação de animais domésticos e de produção (cães, bovinos e suínos) evita o adoecimento e transmissão da doença por aqueles sorovares que a vacina protege. Está disponível em serviços particulares, ficando a critério do proprietário vacinar ou não o animal, sendo válida como estratégia de proteção individual.
II – Quimioprofilaxia para leptospirose
Qualquer indivíduo que entrou em contato com água ou lama de enchente está suscetível à infecção e pode manifestar sintomas da doença, configurando-se uma situação em que não há indicação técnica para realizar quimioprofilaxia contra a leptospirose, como medida de saúde pública.
Fontes: Revista Saúde Abril e Ministério da Saúde